Texto por Colaborador: Redação 21/09/2025 - 15:36

Por quase uma década, Mohamed Salah vem sendo um dos jogadores mais consistentes e impactantes do planeta. Aos 32 anos, na temporada 2024/25, continua sendo peça-chave do Liverpool, ajudando o clube a conquistar o histórico 20º título inglês e liderando as estatísticas europeias de participação em gols.

A transformação foi impressionante: de finalizador letal para maestro tático dos Reds. Marca, arma jogadas e decide nos momentos que realmente importam. Quebrou recordes históricos, ergueu troféus importantes e gerou mudanças sociais que extrapolam as quatro linhas.

Mas aqui está o paradoxo: Salah nunca foi sequer cotado como real candidato à Bola de Ouro. Suas melhores colocações foram modestos quinto lugares em 2019 e 2022, além de um sexto em 2018. Posições até respeitáveis, mas que não refletem o peso real de suas conquistas.

Com a cerimônia de 2025 batendo na porta, mais uma vez seu nome não lidera as apostas. Essa desconexão entre desempenho e reconhecimento levanta uma questão desconfortável: quais são os verdadeiros critérios para escolher o melhor jogador do mundo?

## A confissão reveladora

Em papo recente com Gary Neville, Salah foi sincero sobre o assunto. Confessou que o prêmio já o "deixou maluco", mas disse ter se conformado com o fato de que certas coisas fogem de seu controle.

A frase, aparentemente simples, carrega um peso enorme. Olhando a trajetória do egípcio, pouco realmente esteve fora de suas mãos: números absurdos por quase dez anos, títulos dos maiores campeonatos, revolução tática em sua posição e profissionalismo exemplar.

Se o que escapa de seu domínio não tem a ver com futebol, então o que seria? A resposta está em algo mais profundo: sua identidade.

## A lente do preconceito sutil

Edward Said, em "Orientalismo", mostrou como o Ocidente historicamente enxerga o Oriente através de filtros exóticos - algo admirável, mas fundamentalmente diferente. Essa mesma dinâmica se aplica, de forma discreta porém poderosa, à maneira como o futebol europeu vê Salah.

Salah é admirado, mas raramente idolatrado. Observado, mas nem sempre compreendido em sua complexidade. Elogiado pela força bruta, velocidade e faro de gol, mas pouco reconhecido por sua inteligência tática refinada.

O contraste é gritante quando comparado a outros craques. Harry Kane recua para armar o jogo e é chamado de visionário. Rooney mudou seu estilo para ser mais criativo e foi aplaudido pela maturidade. Kaká, Modric e Figo, ao comandarem o meio-campo, eram vistos como verdadeiros artistas.

Salah passou por evolução idêntica. De goleador nato para cérebro criativo do Liverpool, lapidando seu jogo temporada após temporada. Em 2024-25, foi eleito Melhor Jogador da Premier League, com 18 assistências - marca pessoal que comprova sua evolução como armador, além da capacidade histórica de balançar as redes.

Mesmo assim, o vocabulário para descrevê-lo segue engessado. Permanece rotulado como "explosivo", "direto" e "clínico", como se reconhecer as nuances de seu jogo fosse problemático demais.

## A fé como obstáculo?

Uma parte crucial do "problema" Salah está em sua visibilidade não apenas como árabe ou africano, mas como muçulmano praticante declarado. Ele faz suas orações após cada gol marcado. Mantém o jejum durante o Ramadã, mesmo em dias de jogos decisivos. Fala naturalmente sobre Alá e se tornou, consciente e organicamente, um símbolo público de sua religião.

Isso o torna único entre os astros do futebol mundial e, principalmente, entre os ganhadores da Bola de Ouro. Apenas três muçulmanos conquistaram o troféu: George Weah (1995), Zinedine Zidane (1998) e Karim Benzema (2022).

Nenhum deles, porém, colocou a fé tão explicitamente no centro de suas carreiras. Weah posteriormente se converteu ao cristianismo. Zidane se define como não praticante. Benzema, embora muçulmano, mantém sua religiosidade mais no campo pessoal que simbólico.

Salah é diferente. Sua fé é central, visível e inescapável. Num mundo onde imagem, marketing e percepção moldam o reconhecimento, essa exposição espiritual - por mais nobre que seja - pode representar parte da resistência que enfrenta.

## Revolução silenciosa

O legado de Salah já extrapola os gramados de forma extraordinária. Pesquisa da Universidade de Stanford mostrou que crimes de ódio em Liverpool caíram impressionantes 19%, comparado a regiões similares, após a chegada do egípcio aos Reds. Posts antimuçulmanos entre torcedores do clube diminuíram pela metade.

Sem discursos inflamados ou manifestos políticos, Salah revolucionou o clima emocional e cultural de uma cidade inteira. Fez milhões repensarem seus preconceitos sobre islamismo, arabidade e diferença, descobrindo algo familiar e inspirador.

Quantos candidatos à Bola de Ouro podem alegar tamanho impacto social?

O problema não é o que Salah deixou de conquistar. É o que uma parcela do mundo futebolístico ainda se nega a enxergar. Com a cerimônia de 2025 chegando, a pergunta permanece incômoda: o que mais ele precisaria fazer?

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